ENTENDA O QUE AS VACINAS PRECISAM PARA SEREM APROVADAS NO BRASIL
Desde a semana passada, diversas farmacĂȘuticas divulgaram os resultados das fases finais de pesquisa para o desenvolvimento de vacinas para covid-19.A Pfizer foi uma das que anunciou que sua vacina, desenvolvida em conjunto com a empresa alemĂŁ BioNTech, teve eficĂĄcia de 95%.
AlĂ©m dessa, outras vacinas estĂŁo na fase 3 de pesquisa, embora ainda sem anĂĄlise publicada em revistas cientĂficas.
SĂŁo elas:
AstraZeneca/Oxford: apresentou eficåcia média de 70%, mas pode alcançar 90% com uma dose menor;
Instituto Gamaleya/Sputnik V: mostrou eficåcia de 91,4%, mas mais de 95% após a aplicação da segunda dose;
Moderna: o laboratĂłrio norte-americano disse que a vacina tem 94,5% de eficĂĄcia;
Instituto Butantan/Sinovac: a pesquisa da CoronaVac chegou ao nĂșmero mĂnimo de infectados, que atestam a eficĂĄcia do imunizante, mas o percentual ainda nĂŁo foi divulgado.
Com os resultados da fase 3 das pesquisas, a ideia Ă© que ocorra uma anĂĄlise criteriosa dos estudos por parte de profissionais da ĂĄrea sem interesses relacionados Ă empresa desenvolvedora da vacina, alĂ©m de ĂłrgĂŁos de saĂșde, como a FDA (Food and Drugs Administration), agĂȘncia reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, ou a Anvisa (AgĂȘncia Nacional de VigilĂąncia SanitĂĄria) no Brasil. A etapa seguinte diz respeito ao armazenamento e distribuição da vacina.
Vacinas em andamento no Brasil No momento, a Anvisa jĂĄ aprovou estudos clĂnicos de quatro vacinas no paĂs: AstraZeneca/Oxford, Instituto Butatan/Sinovac, Pfizer/BioNTech e Janssen. Mas isso nĂŁo significa, necessariamente, que elas serĂŁo produzidas e distribuĂdas no Brasil. Apenas a da Sinovac e a de Oxford (testada pela Fiocruz) Ă© que devem ser produzidas aqui, por meio da transferĂȘncia de tecnologia dos laboratĂłrios.
O governo do ParanĂĄ e da Bahia tambĂ©m fizeram acordos com a RĂșssia para testar e produzir a vacina Sputnik V no paĂs, mas ainda nĂŁo hĂĄ aprovação da Anvisa. TambĂ©m nĂŁo existe nenhum acordo feito com o Brasil com as empresas Pfizer e Moderna para a produção da vacina no paĂs.
O que a vacina precisa para ser aprovada no Brasil?
Para que uma vacina seja de fato registrada no paĂs, existem alguns requisitos que a Anvisa exige, como dados de segurança, delineamento do estudo proposto, dados de produção e controle de qualidade, alĂ©m de boas prĂĄticas de fabricação. Gustavo Mendes, gerente geral de medicamentos da Anvisa, destacou quais os principais requisitos:
1. Eficåcia, segurança e qualidade
Ă necessĂĄrio, em primeiro lugar, o fornecimento dos dados brutos (como a Pfizer irĂĄ fazer com o FDA nos EUA) gerados em estudos anteriores, com se fosse um "dossiĂȘ". Com isso, a Anvisa faz seu papel de "confrontar" as informaçÔes por meio de um comitĂȘ composto por profissionais de diversas ĂĄreas —farmacĂȘuticos, mĂ©dicos, biĂłlogos e estatĂsticos.
"O estudo clĂnico de fase 3 Ă© confirmatĂłrio e determina qual a porcentagem de eficĂĄcia da vacina. TambĂ©m apresenta se ela Ă© segura, ou seja, mostra que nĂŁo traz grandes riscos e quais eventos adversos ela pode causar", diz o gerente da Anvisa.
Além disso, o órgão verifica a qualidade do produto, que envolve o prazo de validade da vacina, quais são os ensaios e testes realizados, como serå fabricada e onde serå fabricada.
2. Boas pråticas de fabricação
Nesta etapa, é realizada uma visita remota ou presencial no local onde serå produzida a vacina em larga escala, sendo no Brasil ou não. A ideia é checar se realmente o local tem condiçÔes técnico-operacionais, equipamentos corretos e pessoas treinadas. "à o que chamamos de sistema de qualidade, ou seja, o conjunto de documentos e informaçÔes que permitem rastreabilidade e robustez no processo de fabricação."
3. FarmacovigilĂąncia
Outro ponto essencial que a Anvisa exige é a farmacovigilùncia, que significa que as empresas que vão disponibilizar a vacina precisam assumir uma série de compromissos de monitorar o desempenho do produto depois de aprovada. "Monitorar significa acompanhar quais foram as reaçÔes adversas e se os produtos são eficazes quando são aplicados em massa. Essas estratégias de notificaçÔes são acordadas com a gente para entendermos se cumpre todos os requisitos", explica Mendes.
Desafios na logĂstica
Existem dois pontos sendo discutidos sobre a vacina da Pfizer, por exemplo, que podem trazer desafios para a comercialização. O primeiro ponto é o armazenamento e distribuição do produto e o segundo é o tempo de proteção.
A vacina da Pfizer possui uma caracterĂstica que cria dificuldades de logĂstica: ela precisa ser armazenada a -75 ÂșC, por conta da tecnologia de RNA. Seria, portanto, um grande desafio para a maioria dos paĂses. "No Brasil, temos geladeiras que chegam a -20 °C, mas para temperaturas de -75 ÂșC, nĂłs nĂŁo terĂamos estrutura para realizar uma distribuição neste momento. TerĂamos que nos preparar para isso", diz o infectologia da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) e do Hospital Leforte, Igor Maia Marinho.
JĂĄ a Anvisa explica que essa questĂŁo "nĂŁo diz respeito ao ĂłrgĂŁo". "A avaliação da Anvisa envolve os riscos e benefĂcios e nĂŁo o custo e a efetividade. Mesmo que a tecnologia requeira uma alto grau de complexidade de armazenamento, isso nĂŁo impacta na nossa decisĂŁo", explica Mendes.
Tempo de imunidade
O ideal Ă© que a proteção de uma vacina dure um ano, mas, por conta da urgĂȘncia para acabar com a pandemia, os ĂłrgĂŁos passaram a aceitar a proteção de, no mĂnimo, seis meses. Mendes disse que a agĂȘncia tem participado de diversos fĂłruns internacionais sobre a aprovação de vacinas e a temĂĄtica do tempo de imunização Ă© sempre discutida.
"A gente tem falado em trĂȘs meses de acompanhamento, no mĂnimo. Isso significa apresentar nĂveis de anticorpos neutralizantes do vĂrus neste perĂodo. Mas vale ressaltar que esse acompanhamento nĂŁo pode parar. Mesmo que aprovado por trĂȘs meses, o acompanhamento Ă© feito em longo prazo atĂ© porque os estudos devem durar, no mĂnimo, um ano".
Mendes esclarece que a Anvisa, por exemplo, poderia aprovar o registro mesmo sem os estudos concluĂdos, mas os dados devem continuar sendo gerados e fornecidos ao ĂłrgĂŁo, para relatar se houve alguma mudança, se Ă© preciso de reforço de vacina, entre outros aspectos. "Mas precisamos olhar os dados para julgar. Ainda nĂŁo temos esses dados abertos da Pfizer."
Por enquanto, as empresas fizeram as divulgaçÔes de resultados por meio de comunicados, sem publicaçÔes em periĂłdicos cientĂficos. "A ciĂȘncia deve ser sempre a mais clara possĂvel, mas existe um lado comercial de bilhĂ”es de dĂłlares envolvidos. Acredito que, muito em breve, a empresa deva divulgar esses resultados", diz o infectologista da USP.
Efetividade e eficåcia de uma vacina: qual a diferença?
No Twitter, a epidemiologista e pesquisadora Denise Garret explicou que a eficĂĄcia da vacina Ă© importante, mas o que determina o sucesso dela Ă© a efetividade —seu desempenho no mundo real e que pode variar em grupos e populaçÔes diferentes.
Isso porque os resultados de eficĂĄcia sĂŁo realizados em condiçÔes ideais de ensaio clĂnico, que nem sempre sĂŁo reproduzidas na "vida real". "[Na pesquisa temos] participantes sadios, monitorados cuidadosamente, aderindo ao protocolo de duas doses, com a vacina armazenada e aplicada corretamente. Ou seja, condiçÔes ideais. Em condiçÔes reais de vacinação, o resultado pode mudar", explicou na rede social.
Fonte: Uol
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