HOMEM É ENTERRADO EM PÉ E FAMÍLIA ACHA TÚMULO APÓS 45 ANOS

 

Reprodução/ ND+

Se estivesse vivo, Rosário Bianca estaria, hoje, com 100 anos. Porém, há 45 anos, em 11 de agosto de 1977, um infarto o levou à morte de forma precoce, aos 55 anos. O corpo de Rosário, que é natural do Cairo, capital do Egito, está enterrado no Cemitério Municipal de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, cidade onde ele passou seus últimos anos de vida.

O túmulo passa despercebido entre os 4.158 espalhados pelo Cemitério. A sepultura é simples e com uma cruz de pedra. O corpo foi enterrado diretamente na terra e coberto apenas com grama, diferente dos túmulos ao redor. Tudo seria normal, se não fosse uma curiosidade intrigante: Rosário Bianca teria sido sepultado em pé, sem caixão e enrolado em um lençol branco.

A informação, repassada há décadas, seria de funcionários do cemitério, que teriam acompanhado o funeral. “Pessoas que trabalharam aqui disseram que ele foi enterrado em pé, na presença de um coveiro e um representante da religião dele”, relata Ronivon Marcondes, zelador do Cemitério Municipal há sete anos.

“Morreu dormindo”

A morte de Rosário Bianca ocorreu quando o filho Pierre Bianca, hoje com 54 anos, tinha apenas 10 anos. Ele não estava perto do pai quando tudo aconteceu. Rosário morreu dormindo e Pierre e a irmã Jaqueline Bianca, na época com 15 anos, viviam em São Paulo com alguns tios, enquanto a mãe passava por um tratamento de saúde em um hospital.

“Ele e minha mãe, que é brasileira, haviam se separado e nós moramos um período [menos de um ano] com ele em Chapecó, mas depois viemos para São Paulo com os nossos tios. Ficamos sabendo que após a separação, ele conheceu uma mulher muçulmana e estava noivo. Para isso, ele teria se convertido ao islamismo, religião dos muçulmanos”, conta Pierre, que mora atualmente em SP.

Segundo ele, esse teria sido o motivo pelo qual o pai teria sido enterrado em pé e enrolado em um pano branco. “O que informaram para minha avó [mãe de Rosário] é que o corpo dele foi preparado com essências, enrolado em um lençol branco e enterrado em pé, com o rosto virado para Meca [cidade sagrada para os muçulmanos], mas ninguém da família viu ele depois da morte e nem mesmo acompanhou o sepultamento”, diz.

Rosário Bianca com a ex-companheira e os filhos no salão de beleza que possuía. – Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação/NDRosário Bianca com a ex-companheira e os filhos no salão de beleza que possuía. – Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação/ND

A chegada ao Brasil e a vida em Chapecó

Rosário Bianca nasceu no dia 1º de maio de 1922 na cidade de Cairo, no Egito. A chegada do árabe ao Brasil ocorreu no dia 7 de dezembro de 1966. Pierre conta que o pai falava sete idiomas e foi naturalizado italiano. Chegou a morar na França, onde trabalhou na empresa L’Oreal Paris.

Exatos dois anos após desembarcar no Brasil, Rosário Bianca acompanhou o nascimento do filho Pierre, no dia 7 de dezembro de 1968. A escolha por Chapecó teria ocorrido devido ao clima agradável, com verões relativamente quentes e invernos frescos. Na maior cidade do Oeste, o árabe abriu um salão de beleza. “Ele era um cabeleireiro muito famoso na cidade. Tinha o Salão Pierre, no Centro.”

Quarenta e cinco anos após a morte e no mês em que Rosário Bianca completaria 100 anos, o filho Pierre e o neto Philippe Michel Bianca, de 34 anos, desembarcaram em Chapecó em busca do túmulo. Afinal, a família não sabia onde era a sepultura.

“O Philippe começou a montar a árvore genealógica da família e queria saber detalhes sobre a vida e morte do avô. Já faziam 10 anos que planejávamos ir até Chapecó para encontrar o túmulo dele e escolhemos viajar no mês que ele completaria 100 anos”, detalha.

Muitos detalhes na cidade

Em Chapecó, os dois se hospedaram em um hotel ao lado do ponto onde Rosário Bianca possuía o salão, onde hoje é uma panificadora, na Avenida Fernando Machado. O andar era o sétimo e o número do quarto o 77. “Essa história tem muitas coincidências com o número sete, o que nos chama muito a atenção”, afirma Pierre.

A busca contou com o apoio de Jandir Fernandes, da funerária Stürmer, que ajudou a família a chegar até o médico que atestou o óbito de Rosário Bianca. “Ele é um médico antigo na cidade, mas não lembrou do caso do meu pai quando o procuramos. Chegamos a Chapecó sem muitas informações e saímos com uma história rica em detalhes.”

A descendência de Rosário Bianca deixou, além dos dois filhos, um neto, duas netas e duas bisnetas.

O que diz a religião do islamismo?

A reportagem do ND+ ouviu o sheik Amin Alkaram que explicou como ocorrem os rituais fúnebres dos muçulmanos. Segundo ele, a informação de que Rosário Bianca foi enterrado em pé é considerada “um absurdo”.

“Eu nunca ouvi sobre isso no islamismo ou em outra religião. Sei que todos enterram deitado. Enterrar em pé é a primeira vez que escuto”, afirma.

O sheik explica que quando um muçulmano morre, após ter a certificação do óbito por uma autoridade, tem as roupas retiradas, mantendo as partes íntimas cobertas. Na sequência, é banhado com água morna e perfumado. “Na preparação do corpo entram, geralmente, duas pessoas. Se o falecido foi um homem, entram apenas homens, e se foi uma mulher, apenas mulheres”, pontua.

Após a preparação do corpo, o falecido é enrolado em um tecido de algodão branco, formado por três peças para homens e cinco peças para mulheres. O tecido é amarrado nas extremidades e ao meio para não soltar, já que não é costurado.

O pano branco é utilizado porque, segundo o sheik, a cor branca simboliza a pureza. “O ser humano, ao falecer, está partindo dessa vida para o encontro com seu criador. O muçulmano usa uma roupa semelhante à mortalha durante o ritual de sua peregrinação.”

“Depois disso, os muçulmanos se reúnem para fazer a oração fúnebre, em pé. É recitado o Alcorão, com súplicas pelo falecido e rogado a Deus para conceder sua misericórdia e perdão”, explica.

A sepultura onde o corpo é enterrado segue os padrões normais de tamanho com cerca de 2 metros por 80 centímetros. O sheik esclarece que uma parte é mais funda e a outra mais alta. “O cadáver é enterrado com o lado direito para o chão e o lado esquerdo para cima [deitado de lado], com as costas encostadas na parede e o rosto voltado para o lado de Meca, sentido de oração dos muçulmanos”.

Alkaram afirma que não existe o ritual de colocar o falecido em pé ou sentado. Os muçulmanos não costumam enterrar os mortos em caixão, nem mesmo com roupas ou enfeites.

Sobre a ausência do uso de caixão, o sheik explica que ocorre porque o corpo descansa melhor na terra, que, também, apressa o processo de decomposição do cadáver.

O caixão é usado apenas quando a pessoa morreu há muito tempo e o corpo está em decomposição ou muito mutilado e não tem como enrolá-lo em pano. Nesses casos, são seguidas as orientações sanitárias. Caso contrário, é feito o sepultamento diretamente na terra.

Alkaram acrescenta que a ausência do uso de roupas caras,  como ternos ou vestidos e acessórios, normalmente usados pelos cristãos em seus mortos, é porque o muçulmano acredita que deve sair desse mundo o mais modesto possível.

“Devemos diminuir ao máximo os custos e despesas de enterro. Esse dinheiro gasto, muitas vezes em exagero, é  desnecessário. Os herdeiros poderão fazer uso melhor desse dinheiro. Além disso, a outra vida, não é uma vida de ostentação, mas, sim, uma vida que deixamos todos os ornamentos da vida material para onde todos são iguais perante Deus, O Criador”, diz.

Fonte: ND+

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