PRESIDENTE DA CPI DETERMINA PRISÃO DE EX-DIRETOR ACUSADO DE PEDIR PROPINA


O servidor público Roberto Ferreira Dias| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz (PSD-AM), determinou nesta quarta-feira (07/07) a prisão do ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias.

Ao pedir a prisão, Aziz afirmou que Dias mentiu ao colegiado ao longo de seu depoimento. “Ele vai ser recolhido agora pela polícia do Senado. Ele está mentindo desde a manhã, dei chance para ele o tempo todo. Pedi por favor, pedi várias vezes. E tem coisas que não dá para… os áudio que nós temos do Dominghetti são claros”, disse Aziz.

É a primeira vez que Aziz pede a prisão de um depoente desde o início da CPI da Pandemia. Dias foi levado pela Polícia Legislativa depois de Aziz dar voz de prisão.

“Todo depoente que estiver aqui e achar que pode brincar terá o mesmo destino”, disse Aziz. A sessão foi encerrada logo depois.

Depoimento

A ordem do presidente da CPI ocorreu após o colegiado reproduzir áudios que reforçam suspeitas de participação de Dias em um esquema fraudulento de venda de vacinas.

Os aúdios, publicados no site da CNN Brasil, foram encontrados no celular do PM Luiz Paulo Dominghetti, que prestou depoimento na semana passada e teve o aparelho apreendido. Na ocasião, ele acusou Dias de cobrar propina durante um encontro de negociação de vacinas.

No seu depoimento, Roberto Dias negou que tenha pedido propina ao policial militar, mas confirmou que conversou com ele num shopping de Brasília. Segundo Dias, a reunião aconteceu acidentalmente, enquanto ele tomava um chope com um amigo.

No entanto, os aúdios do celular de Dominguetti, porém, indicaram que o encontro não foi por acaso, como disse Dias, mas havia sido previamente combinado. Nas mensagens, o policial já tratava do encontro dois dias antes da data.

Dominghetti, que se apresentava como representante de uma empresa americana interessada em vender 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca contra a covid-19 ao governo brasileiro, afirma que nesse encontro Dias teria pedido propina de 1 dólar por vacina vendida.

Em outros momentos do depoimento, Dias soou contraditório aos senadores ao afirmar que não era responsável por negociar vacinas, mas em seguida relatar suas conversas com a empresa representada por Dominghetti.

Dias foi exonerado do cargo em 29 de junho, poucas horas após as acusações de Dominghetti serem publicadas pela imprensa. Na CPI, o ex-diretor chamou Dominghetti de “picareta” e “aventureiro”.

“Estou há mais de dez dias sendo massacrado e citado em todos os veículos de comunicação sem que haja uma única prova ou indício que sustente tais alegações”, disse Dias no início da sessão.

O ex-diretor é ligado ao deputado Ricardo Barros (PP-PR) e está no centro de duas denúncias distintas sobre supostos esquemas fraudulentos de venda de vacinas para o Ministério da Saúde.

Um dos esquemas foi o apontado por Dominghetti, e envolve a Davati Medical Supply, uma empresa de fachada sediada no Texas. Outra negociação suspeita envolve a vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech e vendida ao Brasil pela intermediária Precisa Medicamentos, caso que foi denunciado pelos irmãos Miranda há duas semanas. Nesse caso, Dias é acusado de pressionar pela aprovação do negócio.

Os escândalos vêm pressionando o governo Jair Bolsonaro, que além de criticas pela má gestão da pandemia e o negacionismo agora enfrenta acusações de corrupção.

Na sessão desta quarta-feira, os senadores também tentaram entender por que o ministério abriu as portas tão rapidamente para uma negociação bilionária com a Davati, uma empresa claramente sem estrutura para fornecer tantas vacinas e que não tinha autorização da AstraZeneca para atuar como representante, enquanto grandes laboratórios como a Pfizer penavam até mesmo para obter respostas para e-mails. “Com a Pfizer é difícil, com a Davati é fácil”, ironizou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Oferta de vacinas durante “chope com amigo”

Durante a sessão da CPI, Dias provocou incredulidade entre vários senadores ao afirmar que se encontrou com Dominghetti acidentalmente no restaurante de um shopping em Brasília em 25 de fevereiro, e que a reunião não havia sido marcada previamente.

“Eu tinha uma reunião com um amigo no restaurante para um chope. Na sequência o coronel Blanco chega com esse senhor que posteriormente foi identificado como Dominghetti. Como não foi um evento marcado, combinado, não me recordo de detalhes”, disse Dias, mencionando o coronel Marcelo Blanco, um ex-assessor do Ministério da Saúde. Dias afirmou que, durante o encontro, sugeriu a Dominghetti para que este pedisse uma audiência no Ministério da Saúde. O PM foi recebido no dia seguinte na sede da pasta.

Segundo Dias, no encontro Dominghetti não teria apresentado credenciais da AstraZeneca para intermediar o negócio. “O mesmo se despediu, disse que teria que ir embora, e nunca mais tive notícias”, disse Dias.

O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde também confirmou ter recebido em uma audiência oficial o reverendo Amilton Gomes de Paula para falar de vacinas. Paula, fundador da Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), que apesar do nome é uma organização privada, também atuava em nome da Davati em negociações com o Ministério da Saúde. Ele também foi convocado para depor na CPI.

“Recebi reverendo Amilton em minha sala uma única vez, foi uma agenda oficial. A retórica era a mesma: possuía x doses disponíveis e não possuía a carta de representação do fabricante”, disse Dias.

Papel do braço direito de Pazuello

Aos senadores, Dias afirmou que o coronel Élcio Franco, ex-número 2 do ministério durante a gestão do general Eduardo Pazuello, era o responsável por coordenar todo o processo de negociação para a compra da Covaxin.

A vacina indiana vem levantando questionamentos por causa do seu preço (15 dólares, a mais cara de todas as vacinas compradas pelo Brasil), a velocidade com que o governo fechou o negócio (em contraste com outros laboratórios, como a Pfizer), a falta de aval da Anvisa (Bolsonaro afirmou em 2020 que não compraria vacinas não autorizadas pela agência) e pelo fato de a compra não ter sido feita diretamente com a fabricante, mas com uma empresa intermediária, a Precisa.

“No âmbito da covid-19, todas essas tratativas foram feitas exclusivamente na Secretaria Executiva”, afirmou Dias, apontando para a área dominada pelos militares no ministério.

Dias também afirmou que não cabia ao seu departamento, a Diretoria de Logística, mas à Secretaria Executiva pesquisar o preço das vacinas para saber se o valor negociado pela Covaxin era apropriado.

“O Departamento de Logística não participou de nenhuma execução, de nenhuma negociação”, afirmou Dias. Nesta quarta-feira, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes foi nomeado para ocupar a vaga de Dias no ministério, expandindo a influência dos militares na pasta.

As afirmações de Dias sobre o seu departamento não negociar vacinas geraram reação do relator da CPI, Renan Calheiros. O senador citou um documento do Ministério da Saúde, enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU), em que a pasta apontava que o departamento chefiado por Dias havia feito um levantamento de preços.

Os senadores também citaram que as audiências com Dominghetti e o reverendo Paula, organizadas pelo departamento de Dias, também entravam em choque com as afirmações do ex-diretor. Dias ainda admitiu que trocou mensagens e e-mails com representantes da Davati. “Se não era ele que cuidava das vacinas, por que ele foi se reunir [para tratar de vacina]?”, disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

“Se faz agendamento com representantes da empresa, se não é negociação, é o quê, pelo amor de Deus?”,  questionou a senadora Eliziane Gama (Cidadania -MA).

Caso Covaxin

Dias também foi acusado pelos irmãos Miranda de pressionar para liberar a vacina Covaxin. O deputado Luis Miranda e seu irmão, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda, disseram à CPI há duas semanas que Dias fez pressão para agilizar o processo. Os irmãos ainda afirmaram que alertaram o presidente Jair Bolsonaro sobre problemas no contrato e que Bolsonaro teria afirmado que acionaria a Polícia Federal, mas nenhum inquérito foi aberto após a conversa.

Dias negou as acusações e sugeriu que o deputado Miranda levantou as suspeitas por ter tido algum negócio frustrado com o ministério. O ex-diretor afirmou ainda que vai apresentar queixa-crime por calúnia e difamação contra os irmãos.

“Eu nunca insisti em apressar a aprovação dessa vacina”, disse Dias.

Além de estarem no alvo da CPI, as negociações para aquisição da Covaxin são investigadas pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União. Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou ainda a abertura de um inquérito contra Bolsonaro para investigar se ele cometeu o crime de prevaricação ao ignorar denúncias sobre as negociações de compra da vacina indiana Covaxin.

Dias afirmou ainda que uma mensagem que ele enviou em um sábado à noite ao servidor Luis Ricardo Miranda, apresentada pelo servidor na CPI, não envolvia a Covaxin, mas a chegada de doses da vacina AstraZeneca no aeroporto de Guarulhos.

“Em 25 de junho, fui injustamente acusado nessa CPI de pressionar um funcionário chefe da divisão de importação [Miranda] e como prova foi apresentada uma mensagem encaminhada às 20h46 de um sábado, dia 20 de março, onde eu perguntava como está a licença de importação da vacina”, disse Dias.

“O teor da minha mensagem se referia à licença de importação da vacina AstraZeneca que chegaria no domingo dia 21 de março, um dia depois do envio daquela mensagem, e contaria com a presença do ministro da Saúde [à época Eduardo Pazuello] e outras autoridades no seu desembarque.”


*DW


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